Samba e filosofia.

     Sim, é isto mesmo, e muito interessante. O músico Rodrigo Campos apaixonou-se pelo texto de Albert Camus e resolveu compor sambas com a proposta baseada na dinâmica do absurdo do escritor franco-argelino, especialmente pelo ensaio O Mito de Sísifo. No fim do mês de abril, Rodrigo Campos lançou o álbum Sambas do Absurdo. 




     Camus deixou legado importantíssimo como escritor, pensador e militante de causas progressistas. Destaque-se que esteve no Brasil em 1949, em viagem pela América do Sul a bordo do navio cargueiro Campana. Gravou suas impressões e publicou em Diário de Viagem. Não foi muito elogioso. Vejam alguns trechos:

     " . . . nós já estamos na baía, imensa, um pouco fumegante no dia nascente, com condensações súbitas da luz que são as ilhas. A bruma desaparece rapidamente. E nós percebemos as luzes do Rio correndo ao longo da costa, o Pão de Açúcar com quatro luzes no cume e, sobre o mais alto cume das montanhas, que parecem esmagar a cidade, um imenso e deplorável Cristo luminoso"

     "O contraste mais chocante é dado pela ostentação do luxo dos palácios e dos edifícios modernos com as favelas, às vezes a cem metros do luxo, espécie de bidonvilles (correspondente francês das favelas) encravadas no flanco das colinas, sem água nem luz, onde vive uma população miserável, negra e branca. As mulheres vão buscar água ao pé das colinas, onde elas fazem fila, e trazem sua provisão em latas que carregam Sobre a cabeça como as mulheres cabilas. Enquanto elas esperam, passam a sua frente, em fila ininterrupta, os monstros niquelados e silenciosos da indústria automobilística norteamericana. Jamais luxo e miséria me pareceram tão insolentemente misturados. 

     De tudo que li, notei que Camus viu o Brasil com fastio, má vontade e sinceras péssimas impressões. Esbudegou geral. Falou bem apenas sobre a visão de uma graciosa dançarina baiana, quando esteve em Salvador, e parece que vem daí a liga de onde Rodrigo retira o centro de sua admiração e a inserção musical, algo a ver com Caymmi. De resto, nada se salva no Brasil ao natural olhar amargo de Camus.

     Nada foi feito pela egoísta elite política e econômica do Brasil desde aquele olhar crítico de Camus. Ou antes dele. Enfim, estamos onde estamos. 

     Resta a nós, brasileiros, como olhar de resposta e vingança ao pessimismo de Camus, constatar que a sua Argélia natal era bem pior.

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